Entrevista | Renata Nolasco
A quadrinista e ilustradora potiguar nos conta sobre como o ativismo feminista guia seus trabalhos.
Com avanço das redes sociais as coisas se tornaram um via de mão dupla. Se por um lado ficou fácil conhecer novos autores ficou difícil notar o que está do seu lado ao ponto de você não saber que o seu vizinho ilustra cartas de Magic: The Gatering (essa é uma história real). Isso está mudando profundamente desde 2013 quando diversos autores locais colocaram a nordestinidade e outras minorias (mulheres, negros e LGBTs) em seus trabalhos e demarcando um território que antes era completamente dominado pelo eixo Sul-Sudeste e temas maioritários.
Porquê eu estou falando disso? Porque foi nessa minha busca que encontrei pela primeira vez o nome de Renata Nolasco que hoje é uma das minhas ilustradoras/quadrinistas favoritas. A qualidade do seu trabalho é inegável e os temas chama a atenção principalmente pelo ativismo. Seu último projeto Só Ana foi financiado no Catarse em 2018 com 154% de apoios e ela está participando de um novo projeto chamado Histórias Quentinhas Sobre Sair do Armário, que tem temática LGBT, está agora em captação de recursos.
A série “Entrevista” aqui do blog tem como objetivo conhecer mais do trabalho de pessoas com ligadas à área de Quadrinhos e Design Editorial. Se liga em quem já passou por aqui:
Quem é Renata Nolasco?
Que pergunta difícil (haha) Bem, acho que por agora o que interessa saber é que eu sou uma quadrinista e ilustradora freelancer em Fortaleza-CE. O que não interessa saber é que eu meu ritual matinal de cuidado com minhas plantas é o ponto alto da minha manhã e eu nunca recuso vinho ou chocolates.
Como você entrou no universo das ilustrações e HQs?
Ilustração parou de ser um rabisco ou outro no meio da aula e passou a ser algo em que investia meu tempo lá por 2015. Tive catapora aos 20 anos — é, eu sei — e tive que ficar de cama por um tempo. Nesse período, estava acontecendo no Brasil um boom gigantesco de mulheres produzindo material para a internet e isso me incentivou a criar uma página no Facebook onde comecei a postar tiras sobre cotidiano e feminismo. A recepção foi bem maior do que eu esperava, apesar de meus desenhos serem muito amadores na época, então continuei desenhando e postando. Eventualmente, o meu gosto por desenhar acabou esbarrando na minha paixão por quadrinhos. Inicialmente, eu lia e pesquisava quadrinhos na faculdade, mas sempre gostei de contar histórias. Escrevia alguns contos, romances, roteiros, mas não achava que tinha capacidade para desenhar um quadrinho. Foi esse mesmo movimento de mulheres produzindo conteúdo e iniciativas como o Zine XXX e Lady’s Comics que me mostraram que eu podia, sim, fazer quadrinhos. Meu trabalho começou a ser bem focado nisso, na luta das mulheres por espaço e visibilidade, eventualmente algo mais pessoal, até que uma videoaula no CONAHQ sobre Webcomics me puxou de volta pro meu desejo por contar histórias. Por que não fazer isso com o que se tornou uma parte tão grande da minha vida, que são os quadrinhos? Tento fazer um pouco dos dois agora.
Como você inicia um novo projeto de HQ? De onde vêm as ideias?
Existem muitas formas de se desenvolver uma história. Tenho certeza de que você pode encontrar inúmeros artigos online pesquisando por “como fazer quadrinhos”, e a maioria deles vai te dar métodos provavelmente mais úteis do que o meu. É uma jornada bem pessoal, a das ideias. Eu transbordava ideias quando era mais nova e por sorte tenho muito, muito conteúdo anotado. Nem sempre ele é útil, porque meu filtro também não era tão bom, mas me ajuda a ter uma perspectiva agora que aquela vozinha no fundo da minha mente fica sussurrando que qualquer ideia que eu tenho hoje não é original o suficiente. Sinto falta de quando essa vozinha não existia, então leio sobre o que eu escrevia naquela época e deixo coisas novas fluírem dali. Mas às vezes pode ser algo que alguém disse, algo que alguém fez, algo que eu quero dizer. Não sou muito boa com confrontos, então desenho o que ensaio na minha cabeça. Acho que os trabalhos que mais gosto de ter feito são os que vieram de lugares de frustração com as palavras que faltaram em momentos chave. Na ficção é diferente porque na ficção vale tudo. Eu recomendo começar com algo confortável para você e lembrando que quadrinho é um processo demorado e o artista muda muito no processo de finalizar 10 páginas, imagine então 100. Passos pequenos. É um aprendizado.
Quais foram os seus trabalhos mais marcantes? Não apenas nas HQs, mas como ilustradora também.
O quadrinho que hoje eu chamo de “Silêncio = Morte” (ele teve outros nomes e já imprimi ele com dois títulos diferentes). É o único trabalho autobiográfico que fiz até agora e destrinchei muitos detalhes sobre minha experiência com gênero e mulheridade que poderiam ter dado muito errado. Senti o tempo todo que estava plantando uma mina terrestre e esperando ela explodir na minha cara — mas a recepção foi ótima, os três dias que passei olhando pra esse quadrinho finalizado me perguntando se devia postá-lo ou não valeu a pena pelos comentários incríveis que recebi. É o meu trabalho que me dá mais feedbacks e o que mais gosto de receber feedbacks. Como ilustradora, os trabalhos do ano passado pra campanha #EleNao foram muito gratificantes e me mantiveram sã naquele momento. Foi incrível ver minha arte em bottons no peito de mulheres nas passeadas de resistência.
Como você observa hoje o mercado para ilustração e HQs?
Sinceramente, eu acho que o mercado de quadrinhos nunca esteve tão bom para minorias de poder (mulheres, LGBTs, negros, etc.). Não só porque a bandeira da representatividade foi levantada e olhos estão na gente, mas porque plataformas que facilitam localizar o público interessado nessas histórias ganharam popularidade. Agora, podemos falar diretamente com outros como nós ao invés de procurar o intermédio de uma indústria dominada por homens brancos e héteros. Até para artistas homens brancos e héteros a indústria está bem mais aberta (risos) quando pensamos que essas ferramentas permitem ao artista falar diretamente com o público. Os portões intermediários foram quebrados, ou pelo menos nós abrimos uma janela nessa parede. A auto-publicação permite que muitos pequenos e médios artistas vivam da sua arte quando antes pra fazer isso você tinha que ser um Grande Artista (no sentido de popularidade).
Divide com a gente um fato que te marcou e influencia de alguma forma a sua carreira.
Em 2013, um professor que tive na faculdade mandou a gente escrever um artigo sobre algo que gostávamos. Escrevi sobre Jenny Sparks, líder do grupo The Authority. Enquanto escrevia sobre ela, achei na internet outras mulheres escrevendo sobre mulheres e desenhando sobre mulheres. Se eu tenho uma carreira hoje foi culpa delas.
Quais são os seus projetos para o futuro?
Estou concluindo uma história sobre produção feminina. Já falei sobre isso antes em “Ei, onde estão os grandes quadrinhos feitos por mulheres?”, mas agora estou focando na relação de cultura de fandom — fanfics, fanarts, todas essas coisas de mulherzinha — e como isso se tornou um movimento de resistência para as criadoras mulheres. Também estou roteirizando Lapso, que pretendo lançar no Catarse ainda esse ano, sobre o pior Sentinela Galáctico que já existiu tentando salvar uma cartomante que não consegue ler o futuro de aliens que acreditam que ela pode sim. E mais tarde, não sei ainda se esse ano, quero colocar minha primeira webcomic, Comparsa, no mundo. Comparsa é a história sobre um vampiro e um lobisomem que ganham a vida vendendo magia em uma sociedade muito parecida com a nossa, mas onde a gente — humanos — não existimos. Talvez eles sejam mafiosos, mas eles não se chamariam disso.
Você poderia dar algumas dicas para quem deseja ilustrar e/ou fazer HQs no Brasil hoje?
Desenhe muito. Leia ainda mais. Comece com histórias curtas. Interaja com seus colegas de profissão — isso é talvez o mais importante. E escute.
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