Look Back ou “Por que você desenha?”
Se dedicar a algo é sobre não se encaixar.

Look Back, ou “Rukku Bakku” (ルックバック), é uma webcomic japonesa escrita e ilustrada por Tatsuki Fujimoto, mais conhecido mundialmente como o autor do sucesso Chainsaw Man. Publicada originalmente online na JumpComics+, um site de webcomics da editora japonesa Shueisha (a mesma de Dragon Ball, Saint Seiya, Death Note e tantos outros), a obra ganhou em 2024 uma versão animada. Produzida como um filme pelo Studio Durian, a adaptação tem 94 minutos de duração e foi distribuída mundialmente pela MGM/Amazon.
A história acompanha Ayumi Fujino, uma alegre garota do quarto ano que publica suas divertidas tirinhas no jornal da escola. Fujino começa a se sentir desafiada por Kyomoto, uma aluna reclusa que pouco aparece na escola, mas cujas tirinhas, publicadas ao lado das de Fujino, mostram um talento que a supera. Sentindo-se invejosa, Fujino decide, embora de forma um tanto infantil, se dedicar ao máximo para superar a rival. Após dois anos de muito esforço, ela desiste e segue sua vida normalmente, saindo com as amigas e praticando caratê com a irmã mais velha.
No fim do colegial, a pedido de um professor, Fujino decide visitar Kyomoto em sua casa e percebe o quanto a garota é reclusa, uma agorafobia não evidente. Isso a inspira a fazer uma yonkoma (tirinha) satirizando o fato de Kyomoto raramente sair de casa. Arrependida, porém, ela decide não enviar o yonkoma. E é a partir daí que a verdadeira história começa…
Uma história…
Look Back é uma história que fala sobre consequências, medos, realizações e amizade. Acompanhar essa trajetória é uma jornada que toca profundamente não apenas aspirantes a quadrinistas, mas qualquer pessoa que escolheu viver da arte.

Fujino e Kyomoto têm uma sinergia complexa: Fujino é a gênio dos roteiros e dos desenhos dinâmicos, enquanto Kyomoto é sua fã e assistente, que, acima de tudo, deseja estar ali, fazer parte do que está sendo criado. Ela quer ver o mundo sob a ótica de Fujino, a mesma Fujino que a tirou de dentro do quarto e a levou a ganhar o mundo.
Depois de um ano produzindo sem parar o seu primeiro yomikiri (one-shot) para apresentar no concurso ele consegue o segundo lugar e um prémio interessante para uma dupla de garotas do colegial. E durante os anos seguintes elas publicam mais e mais, trazendo um amadurecimento necessário e a preparação para primeira série regular.
Um caminho muito comum para aspirantes a mangakas no Japão são os concursos, onde histórias simples, ou one-shots são preparadas e enviadas. Esses concursos são enormes vitrines e lendas como Akira Toriyama (Dragon Ball, Dr. SLUMP) e Rumiko Takahashi (Urusei Yatsura e Ramna 1/2) participaram de vários concursos.

Surpreendendo o espectador e a própria Fujino, Kyomoto decide não seguir a amiga nesse sonho; ela deseja cursar uma faculdade de artes e seguir seu próprio caminho, buscando evoluir artisticamente. Isso contraria Fujino, que a questiona, sugerindo se ela realmente conseguiria, em uma clara referência a pessoas no espectro autista, pois Kyomoto ainda tem grandes dificuldades de socialização.
Os anos passam, e Fujino se torna uma mangaká de sucesso com sua primeira série, Shark Kick, uma clara autorreferência ao autor, que publica Chainsaw Man. Porém, durante uma exaustiva rotina de trabalho, Fujino se depara com uma notícia de jornal: um homem invadiu uma faculdade de artes com uma picareta, atacando vários alunos, deixando 12 mortos e outros 3 feridos. Entre as vítimas fatais estava Kyomoto…
… e duas linhas do tempo.
Durante o velório, Fujino vai até o corredor da casa de Kyomoto e encontra no chão uma edição antiga da Weekly Shonen Jump com Shark Kick na capa. Dentro dela, encontra a yonkoma (tirinha) que fez anos atrás e que havia motivado Kyomoto a sair do quarto. Uma culpa avassaladora a domina, e ela rasga o papel, reconhecendo que talvez tudo o que aconteceu seja culpa sua. É nesse momento que o realismo fantástico toma conta da história: um dos pedaços do papel passa pela fresta da porta e chega até uma Kyomoto do passado que, dessa vez, se assusta com a mensagem e decide não sair de casa.
Os anos passam, e os eventos na universidade se repetem, com o homem tentando se vingar de quem ele considera um “plagiador”. Mas há uma diferença notável: sem a dedicação de Fujino aos quadrinhos, ela se torna uma habilidosa carateca e consegue deter o homem com um chute certeiro, salvando uma Kyomoto que não a reconhece além da garota que fazia tirinhas no jornal da escola, as quais ela adorava.
Sobre não saber onde se encaixar
Não vou entrar em mais detalhes, pois acho que já revelei spoilers demais para uma obra de pouco mais de 58 minutos. Mas o que realmente me motivou a escrever essa review e miniensaio, depois de tanto tempo, foi uma das últimas falas do filme. A agora famosa mangaká Kyo Fujino, ao ser questionada sobre “Por que você desenha?”, responde com um tom melancólico e arrependido que não sabe bem o motivo. Ela comenta sobre como é difícil, complicado e com pouca recompensa.

Isso me tocou profundamente, pois, nos últimos dois anos, vivi intensamente o universo dos quadrinhos, tanto no cenário nacional quanto internacional, e me firmei como editor de quadrinhos. Look Back, além de ser uma história sobre amizade, é um relato das dificuldades e da solidão de produzir quadrinhos. São 12, 16 horas de trabalho, prazos apertados, exigências sociais e uma resiliência necessária, única nesse meio.
Conclusão e spoilers
E aqui entram os spoilers… Infelizmente, a versão dos fatos em que Fujino protege Kyomoto é apenas uma fantasia. No dia seguinte, a mangaká se senta novamente em sua mesa e volta a desenhar sua série. Não é um final épico como os das histórias que as obras de Makoto Shinkai (Your Name) nos acostumaram a ver. Look Back é um conto real, cotidiano. Fala de um dia comum em que você perde alguém muito querido, alguém que fez parte da sua formação como artista. Você chora, sente o luto, deseja que tivesse feito algo diferente, mas precisa voltar à vida.

O filme está disponível no catálogo da Amazon Prime Video, e o mangá foi publicado no Brasil pela Panini Editora.